quinta-feira, 9 de abril de 2009

Tributo a Machado



























Como estão passando seus dias, pessoas?

Venho aqui trazer um texto de autoria minha, que usei em um concurso de contos no CEAT; a competição era focada em textos que fizessem menção, imitassem características ou homenageassem a obra de Machado de Assis, cuja morte completava 100 anos naquele ano (2008). Machado, como creio que devem saber, embora realista, divergia de seus colegas por fazer todo um trabalho de análise do desenvolvimento psicológico de suas personagens, indo além da análise puramente cienticifista de outros autores, mas talvez sua marca mais evidente seja o uso conjunto da "pena da galhofa" e da "tinta da melancolia", com uma infinita ironia nos resguardando, felizmente não totalmente, do caráter trágico das histórias que narrava. Neste conto, procurei reproduzir o clima de zombaria presente em obras como "Memórias Póstumas de Brás Cubas", com referências diretas a um dos romances mais famosos do autor, "Dom Casmurro".

Bem, aqui vai:

BENTINHO


Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, acabei me lembrando que minha casa era, na verdade, em direção à Zona Sul – o que deve demonstrar-vos desde já que meu nível intelectual, evidentemente, está longe do de um homem normal. Deixando de lado os pretensos elogios, já saía da estação, quando um grupo de jovens educadíssimos me abordou, se oferecendo para aliviar-me do peso que carregava em meus bolsos. Após tamanha gentileza, corri até meu prédio, me deparando com o porteiro, um homem humilde, mas de grande coração, que me cumprimentou com alegria e ternura comoventes, sendo prontamente ignorado. Diante da porta do apartamento, suei, tremi, sofri e, com algum custo, percebi que minhas chaves também haviam sido levadas.
Bati à porta, sendo atendido, felizmente, pela empregada, e fui até a sala. No sofá, jazia a fêmea com quem firmara laços de união. Chamei-a por trás, o que lhe causou um pequeno susto, do qual logo se recompôs. Atenção! Finalmente o autor malvado vai parar de maltratar os pobres e indefesos leitores e contar a tão esperada e misteriosa verdade por trás desta estória. Porém, fiquem calmas, românticas! Não haverá de ser nada que vos faça desmaiar. Enfim, erguendo-se, ela me perguntou o porquê de ter voltado mais cedo àquela noite; respondi com sutileza:
– Sua cobra! Sempre me enganou com esses olhos de cigana oblíqua e dissimulada, mas, agora, nenhum encanto seu vai me desviar da verdade!
– Querido, o que é isso? Por que me chama assim? E que verdade é essa?
Ela parecia confusa e assustada, com o corpo trêmulo, respiração intensa e olhos arregalados, quase explodindo em lágrimas, tudo tão intenso, que até os mais céticos ficariam tocados – mas eu vos garanto que a vilã apenas fingia!
– Sobre o falecido que eu considerava meu melhor amigo, sobre você e sobre o menino que criei como se fosse meu filho!
Ficou imóvel, sem lágrimas, porém mais assustada que antes e, então, iniciou uma tática desesperada:
– Amigo morto, filho, do que está falando?
– Ora, agora entrou em desespero e tenta me confundir com tais absurdos? Sabe muito bem de quem falo, Capitu! Escobar, meu dito amigo, com quem teve aquela criança que tem o primeiro nome dele!
– Meu Deus, enlouqueceu! Não temos filho nenhum, você nunca teve um amigo chamado Escobar, e meu nome é Isabela!
– Você que está louca! Esqueceu de todas essas pessoas, ou tenta me endoidecer?
– Minha Nossa, você acha que é um personagem de um livro do século XIX?
– Acha que eu sequer leria um livro de um destes mesquinhos ditos realistas?
– Chega, você está louco, vou chamar a poli...!
Neste momento, um vulto surgiu na porta da sala; uma forma familiar, porém ainda irreconhecível, mas que a luz logo conseguiu revelar. Fiquei gélido: um fantasma jazia em frente a mim. Sim, Escobar continuava a me atormentar postumamente! O defunto, então, abriu a bocarra, proferindo palavras assombrosas:
– Vocês têm leite, pessoal? – Me atirei nele, com fúria.
– Não, é o Sérgio, nosso vizinho, seu amigo, pare! – Gritou Capitu, inutilmente.
A briga durou muito mais, mas estejais crentes de minha vitória. Eu, Bento Santiago, atei as duas pontas da vida; só espero, um dia, desatar esta camisa-de-força.

Espero que o velho Machado não esteja se revirando em seu túmulo por conta da gozação que eu fiz com seus ilustres trabalhos XD

Hora de dar tchau!

Nenhum comentário:

Postar um comentário